sábado, 23 de janeiro de 2010

A PRÉ-HISTÓRIA DA NANETECNOLOGIA

Um rudimentar esmagador de grãos

Durante os meses de janeiro e fevereiro, os cocanheses costumam veranear na orla do Rio Tegão ou fazer rápidas excursões até as águas frias de Curumim. Mas janeiro e fevereiro também são meses dedicados à extenuante labuta agrícola, em razão de ser o período correspondente à "milhima" ("milhemma", em bom polentalião!). Em outras palavras, trata-se da época do ano dedicada à colheita do milho e seus ritos festivos, como a célebre Festa da Saúva, que reúne a população local para confraternizar com milhares de visitantes. Após um longo ano de trabalho "de formiguinha", cortando, carregando e acumulando, parte da produção é comercializada durante a a festa. E Polentawood, por exemplo, transforma-se num imenso formigueiro humano...

Entretanto, o que mais se sobressai durante a Festa da Saúva é a Nanetecnologia, com suas macchinas maravilhosas que nem um Julio Verne ou qualquer outro gênio da ficção científica chegou a imaginar. Ao mesmo tempo, celebram-se, pelo menos como exercício de uma memória a ser preservada para as gerações futuras, aquelas invenções imediatamente anteriores ao advento da Nanetecnologia (antes, portanto, do pilão, do monjolo e das colheres de pau).

A imagem supra, captada durante os preparativos da festa que acontecerá em fevereiro, ilustra nossa exposição: calçando tamancas de madeira, um Nane, com os pés dentro de uma pequena tulha, ensaia passos vigorosos para mostrar aos visitantes como os antepassados trituravam o milho para obter a canjica ou a farinha. Conforme informações obtidas junto a alguns idosos centenários de Vecchianópolis, o tempo de trituração dependia da força empreendida, do peso do corpo, da qualidade da madeira das tamancas e da variedade do milho. Essa prática perdurou por centenas de anos entre os cocanheses e chegou a integrar certames esportivos que, por sua popularidade, inscreveram-se para sempre nos anais da história cocanhesa.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O CHUTEBOL NA TERRA DA COCANHA


Prezado confrade Joanim:
É de teu conhecimento minha dedicação à pesquisa antropolentológica no meu escasso tempo disponível, visto que estou envolvido, em pesquisa financiada pela Cáspite, na elaboração de um Florilégio da Cultura Cocanhesa.
Assim, resta-me a opção da pesquisa autônoma nos fins-de-semana, o que tem se revelado deveras profícuo, pois é também o período em que os cocanheses - os que não possuem vinícolas, restaurantes e afins - vão à missa, fazem filó diurno, jogam quatrilho, interagem socialmente e apreciam o esporte. Sim, apreciam o esporte. Descobri, nessas andanças por ínvios caminhos carroçais, em companhia do incansável Andrea Polentoni, PhD, que a grande atração no interior da Terra da Cocanha atende pelo nome de chutebol, e mais: que existe um campeonato regular, com estádios, torcidas, arranca-rabos, xingamentos em polentalião e tudo o mais, organizado pela CCC: Confimilhaçon Cocanhesa del Chutebol. Este torneio chama-se Copa e Salame da Terra da Cocanha (CSTC, ou Cocanhon, como apelidado pelo povo da TC), é disputado desde 1876 (134 edições) e tem, hoje, dez integrantes. O troféu constitui-se uma réplica de um navio malcheiroso em cujo convés repousam pernas de copas e salames. Assim, se me permite, traçarei, com a ajuda do Sr. Polentoni - aos poucos - o perfil de cada um dos clubes integrantes da liga.
Começo pelos times da Capital, Polentawood.





1. Polentude: é o time dos endinheirados de P'Wood, por isso faz questão de revelar, em seu nome, a fartura, ao mesmo tempo em que homenageia o alimento principal do cocanheses. Seu estádio, o Polentão, fica estrategicamente localizado ao lado da estação de ônibus e carroças da cidade, permitindo a seus torcedores a satisfação de estacionarem em terreno alheio. Em lugar do gramado, o Polentão tem, obviamente, farinha; logo, o piso é amarelo e, por isso, a equipe usa uniforme verde dos pés à cabeça, alegando tratar-se de uma fantasia de pé de milho. Sua torcida é famosa por se esbaldar em cabernets, merlots e tannats durante as partidas, e por vomitar nos pés do bandeirinha e em cima do banco de reservas do adversário. Foi fundado em 1913, quando começaram a enriquecer os primeiros empreendedores da cidade. Já ganhou vinte vezes a CSTC, conforme representado pelos dois milhos acima do escudo (1 milho = 10 títulos).

2. SER Colono: é o arquirrival do Polentude. Seus torcedores, já revela o nome, são cocanheses mais típicos, como o bobo da corte Milhotti, por exemplo. A torcida da Ser Colono, em oposição à polenta, adotou o tortéi como alimento símbolo, o qual é consumido barbaramente durante as partidas do time, acompanhado de vinhos bordô e izabel (os quais deram cor ao escudo clube). Como o tortéi está incluído no valor do ingresso, a Ser Colono possui a maior torcida de P'Wood, que aproveita para matar sua fome histórica. Naturalmente, a diarreia resultante do consumo desenfreado de tortéi faz com que o clube distribua nas arquibancadas do Estádio Tortenário muitos sacos de estopa, que, nos clássicos, são arremessados (devidamente cheios de "conteúdo") contra a torcida do Polentude. Foi fundado ainda em 1875. Ganhou quinze vezes o Cocanhon.


3. Clube Extorsivo Bentopolentópolis: ao contrário do foco no alimento, o Extorsivo opta, como bom cocanhês, pelo dinheiro fácil. Seus dirigentes coagem os torcedores a dar dinheiro durante as partidas, o que faz com que tenha a menor média de público do campeonato, mas uma das mais concorridas eleiçoes de diretoria. Com sede na província de Bentopolentópolis, sua torcida é conhecida por promover grandes degustações de vinhos durante as partidas, atitude esnobe que faz com que torcidas como a da Ser Colono cheguem ao cúmulo de atirar tortéis contra os Bentopolentopolitanos durante as partidas. Seu estádio é a Montanha dos Milhedos. Venceu dez vezes a Copa e Salame. Foi fundado apenas em 1919 pelo vetusto fabricante de móveis Milhório Canalho, que construiu o estádio o vendeu, superfaturado, ao clube, ficando rico e passando a apreciar vinhos finos, o que é a ambição de todo torcedor do Extorsivo que se preze.

Vecchianópolis E. C, da Província das Antas de Vecchianópolis: reza a lenda que, em Vecchianópolis, nenhum habitante morreu desde a invasão de 1875, o que seria atribuído ao efeito dos ritos do Sanctus Cor Polentarum associado ao consumo de uma variante local de milho, guardada a sete tramelas. Esse é o motivo pelo qual a cidade mudou de nome - até 1975, chamava-se Veranopolentópolis. Por isso, o time e a torcida têm a média de idade mais alta da CSTC, e a cidade é conhecida como "terra della longevitá". O estádio, chamado carinhosamente de "Veccheto", foi erguido em 1876, e é pequeno, pois na época a população era composta por apenas doze famílias, cujos chefes até hoje constituem a diretoria do clube. Mas isso não é problema, pois a maioria dos torcedores não consegue mais caminhar, sofrendo de reumatismo, osteoporose e pelagra. Os que vão ao estádio ameaçam os adversários com bengalas de madeira de pinheiro e escarradas tão ameaçadoras quanto um mergulho em lixo hospitalar. Seu uniforme multicor homenageia a Paphlagônia, a Terra da Cocanha e a própria Vecchianópolis ao mesmo tempo. Venceu oito vezes o Cocanhon - a última em 1905.
Por hoje é isso, caro Joanim. Continuarei informando as peculiaridades destes nobres praticantes do chutebol.
Un saluto,

Christophoro Capeletti. PhD