sábado, 31 de outubro de 2009

PRÊMIO NOBEL DA TERRA DA COCANHA

O prêmio à Ciência


Durante uma excursão a uma das províncias da Terra da Cocanha – Bentopolentópolis –, fui subjugado pela natureza. Meu intestino revoltou-se contra o almoço e reclamava, por força, sair-me pela culatra. Parei num posto de combustíveis e com a urgência das coisas improteláveis fui-me aos pés...
Aliviado e de novo de bem com a vida, decidi abastecer o “auto” (expressão usual entre os cocanheses para se referirem ao veículo de passeio). Enquanto aguardava a autorização do crédito, o balconista depositou um pacote dourado bem embaixo do meu nariz. Tomei ciência do conteúdo, mas ignorei o significado do gesto. Em seguida, devolveu meu cartão e foi dizendo que o embrulho vinha a ser “o brinde” correspondente à promoção dos 30 litros de combustível...
Pensei em recusar, com veemência, a oferta, porque a julguei ofensiva. Confundiam-me com algum cocanhês esfaimado? Zombavam do meu porte nobre e sisudo? Olhei em torno, desconfiado que os outros clientes estivessem mangando comigo... Meu intestino, ainda sensível, também se revoltou ante a visão infernal daquela violência simbólica e pôs-se mais uma vez em pé-de-guerra dentro do abdome.
Súbito, porém, tive uma grande iluminação: eu era um estudioso, um cientista renomado e não podia recusar que me presenteassem exatamente com aquilo que constituía meu objeto de estudos. Procurei, então, dar ares de solenidade ao acontecimento, porque não se tratava mais de um mero brinde a um dos incontáveis clientes, mas uma espécie de Prêmio Nobel oferecido a um insigne investigador. O atendente, no entanto, tratou-me com o inconfundível humour dos cocanheses e deu-me as costas.
As minhas vísceras, ultrajadas com aquilo tudo, clamavam pela libertação e me fizeram outra vez oscilar entre a aceitação e a rejeição ao embrulho. Entretanto, a Ciência falou mais alto que a Natureza: agarrei o meu quilo de “polenta pronta” e desandei na direção da latrina!...

PS: Ocorre-me, agora, que poderia ter dado uma sugestão ao gerente do estabelecimento, para completar o que um publicitário deixou pela metade: se o cliente abastecer 30 litros de combustível, ganha uma polenta; se trocar o óleo, leva também a perdiz...

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ANÚNCIO DE EMPREGO

Empregado da IPCP cumprindo seu dever

A seguir, transcrevo um anúncio de emprego que encontrei nos classificados do principal jornal da Terra da Cocanha, O POLENTEIRO. Em vista da clareza do texto, eximo-me de qulquer comentário ou interpretação (aprendi com os cocanheses que não se mexe mais a polenta depois de pronta...).

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"A Indústria de Polenta Congelada no Palito (IPCP) procura profissionais para atuar em suas fábricas, conforme as seguintes exigências:
1) gostar de polenta
2) ter ascendência cocanhesa
3) falar e escrever cocanhês ou polentaliàn
4) usar tamancas ou botinas de sete-léguas
5) ter condução própria
6) concordar com o batismo semanal na farinha de milho
7) não conhecer nenhum meirinho, advogado ou juiz
8) estar em dia com a mensalidade da igreja
9) participar de algum coral ou grupo de danças folclóricas cocanhesas
10) ter dois anos de experiência em organização de filós
11) comprometer-se a atribuir as melhores notas nas pesquisas de satisfação sobre o trabalho na empresa, elaboradas pelo POLENTARY local
12) comprometer-se a sempre falar bem da empresa à comunidade, mas em contrapartida criticar a concorrência
13) nunca reclamar do salário, não fazer greve nem associar-se ao Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Polenta (aqueles comunistas!)
14) concordar com os métodos de refinamento da farinha de milho integral
15) não revelar, nem sob tortura, a receita de polenta utilizada pela empresa
16) ter habilidade inata para o manuseio do pilão e dos paus de polenta
17) demonstrar a mesma pujança dos cocanheses pioneiros
18) participar dos certames esportivos, palestras motivacionais, gincanas e concursos temáticos (sobre a polenta) organizados pela empresa nos finais de semana
19) demonstrar amor pela empresa e pelo trabalho
20) rejeitar sempre qualquer oferta de suborno, promoção ou gratificação
21) saber interpretar a canção “La bella polenta”
Os interessados em trabalhar na IPCP – munidos com cinco cartas de recomendação, currículo (modelo POLENTALATTES), atestado de boa conduta (emitido pela cúria diocesana) e cópia da árvore genealógica da família (documentada com fotos e certidões de batismo) – devem apresentar-se na matriz ou em qualquer uma das 15 filiais da empresa localizadas na Terra da Cocanha.

Venha trabalhar conosco: o seu trabalho é a nossa maior realização!
Nane Tamanca
Diretor Geral"
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sábado, 24 de outubro de 2009

A LENDA DA POLENTA

O milharal sob as águas do dilúvio (10°dia)

A LENDA DA POLENTA
Por Joanim Pepperoni, Phd

A Irma Overlock, Radicci e Dom Jerico

No princípio era o milho: erva anual de até três metros de altura, da família das gramíneas, com folhas lanceoladas, espiguetas masculinas em panícula terminal e espiguetas femininas axilares gerando espigas com grãos amarelos (Milhonis granulorum sabuguensis).
E vendo Deus que os grãos eram muito duros para serem triturados por humanos desdentados, pensou por algum tempo e depois agiu: tocou o solo e dele fez brotar um vulcão, cuja lava formou uma imensa elevação basáltica sobre a qual assentou a Terra da Cocanha. E confiando Deus que aquilo que tinha criado era bom, do mesmo material forjou o Nane Tamanca para que aprimorasse a sua criação. E novamente confiando Deus que aquilo que tinha criado era bom, do mesmo magma temperou a Mama, para que fiscalizasse e aconselhasse o Nane em tudo o que pusesse a mão. E, no sétimo dia, confiando Deus que aquilo que tinha criado era realmente bom, decidiu recolher-se às profundezas do céu para descansar.
Porém, nunca mais teve descanso...
Encontrando-se sozinhos no paraíso cocanhês, O Nane e a Mama puseram-se, primeiro, a fazer inúmeros Nanettos para auxiliarem no trabalho e povoarem a Terra da Cocanha. Tudo parecia bem: trabalhavam e agradeciam com hinos e orações tudo aquilo com que Deus os abençoava: o milho, o milho e o milho. Até que um dia, numa longa disputa pela divisão entre dois lotes, Nanetto Cainha assassinou brutalmente o irmão Nanetto Abel.
E pela primeira vez Deus revolveu-se no sono profundo de sua alcova celestial...
Assim, estavam lançadas as malignas sementes da discórdia, da cobiça e do empreendorismo no abençoado solo da Terra da Cocanha. Os filós transformaram-se em reuniões de homens de negócios; os templos foram ricamente adornados com peças de ouro, e a fé encorpou-se com o verniz dos luxuosos encontros sociais; as propriedades ganharam cercas farpadas, e os filhos tiveram que migrar para lugares longínquos em busca de novas cocanhas; o preço do milho inflacionou assustadoramente, e a fome passou a grassar nas ruas e a grasnar nas panelas vazias.
Se Deus, no princípio, tivesse sonhado com tudo isso, não teria criado o milho ou teria inventado logo a polenta...
O Nane Tamanca arvorou-se num deus e, porque havia muitos famintos desdentados na Terra da Cocanha, desenvolveu, com muito engenho e paciência, a nanetecnologia. Mirabolantes máquinas saíram de sua cabeça, para reduzir o milho (Milhonis granulorum sabuguensis) a um pó dourado (Milhonis farinensis): o debulhador de milho, o moedor de sabugos, o pilão manual, o monjolo e o moinho movidos com energia hídrica, entre tantas outras maravilhas reveladas somente aos escolhidos.
O Nane aliou-se a outros Nanes, que monopolizaram a produção do milho e da farinha, e enriqueceram rapidamente. A fome dos trabalhadores era mitigada com pequenas porções de farinha de milho que se ligava pela saliva dentro das bocas famintas, antes de percorrer os deploráveis esôfagos e mofar nos estômagos ulcerados. Enquanto isso, os ricos empreendedores locupletavam-se com mingaus de toda ordem, aos quais adicionavam pinhões e outros guisados tão insípidos quanto a própria farinha seca. Em razão disso, a pelagra disseminava-se em todos os lares, desde os mais ricos até os mais pobres.
E o que Deus viu das alturas foi uma Babilônia de paphlagônios assolados pela demência, pela diarréia e pela dermatite. Foi então que enviou o dilúvio para destruir sua própria criação. Chamou o Nane e deu-lhe as instruções: que abandonasse tudo, construísse uma arca nanetcnológica e se preparasse para o desastre diluviano. Em razão de ter sido o escolhido para aprimorar sua criação, Deus lhe dava uma nova chance para se retratar.
E choveu durante 40 dias e 40 noites. As águas cobriram as montanhas da Terra da Cocanha e tudo o que tinha vida sobre ela veio a perecer. Só sobraram o Nane Tamanca, a Mama e alguns poucos nanettos que estavam dentro da arca. E a Arca de Nane pairou sobre as águas misteriosas e revoltas pela fúria divina, durante longos 150 dias. Após 136 dias, Nane abriu a janela que fizera na arca e soltou um corvo, que ficou voando de um lado para o outro. Depois soltou uma pomba para ver se a água havia baixado, mas a pomba não tendo achado lugar para pousar, retornou para a arca.
Nane esperou mais alguns dias e soltou a pomba novamente. Quando ela retornou trouxe no bico um raminho novo de Milhonis granulorum sabuguensis; Nane entendeu então que as águas tinham baixado. Esperou mais sete dias e soltou a pomba mais uma vez. Desta vez ela não voltou. Então Nane removeu a cobertura da arca, olhou e viu que o solo estava enxuto. Saiu com sua família e retornou ao moinho.
E Deus apareceu a Nane e disse-lhe:
– Nunca mais vou destruir a Terra da Cocanha. Enquanto durar esta Terra, não deixarão de existir sementes de milho e pinhões, frio e calor, verão e inverno, dia e noite.
Abençoou Deus a Nane e a seus filhos e lhes disse:
– Multiplicai-vos mais uma vez e enchei a Terra da Cocanha.
Famintos e esfarrapados, mas vivos e exultantes com a superação da provação divina, entraram nas ruínas do velho moinho. Em uma tulha arruinada, restava um pouco de farinha encharcada pelas águas diluvianas. Quando levou, tremulamente, a primeira porção à boca, Nane teve uma indescritível surpresa: o guisado de farinha tinha um gosto diferente, mais picante e agradável ao paladar. Era a água do mar que, providencialmente, misturara-se às águas pluviais, invadira a tulha e operara o milagre.
Depois disso, o Nane inventou o fogolare, os caldeirões e as colheres de pau. Surgia, assim, a tão abençoada polenta da Terra da Cocanha (Guisadus farinaceus cocanhensis).
Mas apoderando-se do milagre divino, o Nane Tamanca patenteou-o da mesma forma que todas as suas outras invenções. Logo depois, inventou o turismo e os restaurantes, e passou a vender fatias de polenta aos visitantes como se fossem valiosas barras de ouro do melhor quilate.
E Deus, vendo tudo aquilo, deu as costas, cobriu o rosto com as mãos e ninguém sabe se riu ou chorou...

sábado, 17 de outubro de 2009

AS MIL E UMA UTILIDADES DO SABUGO

O sabugo, fonte de renda.


Queridos leitores:
A reflexão de hoje foi suscitada pela empertigada pergunta de um leitor deste mural, o Sr. Gorgonzolla Netto, também profundo questionador das verdades impostas pelos conglomerados polentônicos, pelos milheiros, pelos sabugueiros e pelos ideólogos da polenta, etchétere et quale... Em razão de a pergunta merecer mais que uma evasiva resposta, decidi fazer uma reflexão teórico-filosófica embasada em dados empíricos e orientada por uma metodologia científica de comprovada eficácia. Logo, não inventarei nenhuma informação, nem me apropriarei indevidamente do conhecimento desenvolvido por meus ilustres colegas pesquisadores. A seguir, respectivamente, a pergunta do Sr. Gorgonzolla e minha admirável resposta:

“Sr. Joanim, já inventaram milho sem sabugo na Terra da Cocanha?”

Caro Sr. Gorgonzolla:
Peço desculpas tanto pela sinceridade quanto pela prolixidade da minha resposta: a nanetecnologia produz maravilhas, mas ainda não faz milagres! Todavia, creio que os cocanheses não têm nenhum interesse em eliminar o sabugo, pelas seguintes e bastantes razões: 1) ele substitui o papel higiênico por ser barato e ecologicamente correto (e possuir uma tripla função...); 2) ele substitui a lenha para aquecer os fogolares em que se prepara a polenta; 3) ele tem grande importância nanindustrial, ao ser usado no lugar do carvão mineral; 4) ele é adicionado à ração dos animais e, sub-repticiamente, aos alimentos humanos, como a farinha integral (um composto de palha, grãos de milho e sabugos), o açúcar mascavo, o café, as salsichas e salames, etchétere et quale...; 5) quando manipulado por mãos criativas, resulta em belíssimas obras de arte, semelhantes às conhecidas esculturas de polenta; 6) na educação dos bambinos, substitui com eficácia pedagógica os bloquinhos de madeira e de polentinha frita; 7) também substitui as rolhas de cortiça em garrafas e garrafões; 8) nos esportes, é utilizado como medalha para os atletas (cada um recebe um sabugo com o tamanho respectivo à posição alcançada); 9) na construção civil, é usado como isolante térmico e acústico; 10) no banho, serve como esponja (bucha) e escova; 11) na estética e na dermatologia, constitui excelente esfoliante; 12) na medicina, torna-se um eficiente desconstipante; 13) durante os períodos de estiagem amorosa, transforma-se em providencial “apetrecho de consolo”; 14) and polent bat no police, cumpre a função primordial de sustentar os grãos, compondo aquilo que todo mundo conhece como "espiga de milho".
Como o Sr. pode ver, Sr. Gorgonzolla, o sabugo está de tal modo entranhado na cultura cocanhesa, que sua eliminação comprometeria seriamente o funcionamento, se não a extinção, desta prodigiosa sociedade.
Afinal, na Terra da Cocanha, quem não tem sabugo não pode ser visconde nem rei!...


sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A GUERRA DA POLENTA

Propaganda de guerra elaborada pelos padâneos
Um pesquisador sempre enfrenta muitos obstáculos para localizar e ter acesso às fontes de pesquisa que lhe interessam. Algumas vezes, a obtenção do material só é possível por meio do uso da força bruta, da esperteza e dos violentos embates verbais. Não narrarei aqui as peripécias que envolvem o panfleto acima, mas asseguro que ainda trago nas pernas e nas costas os hematomas dos violentos paus de polenta manejados por dois cocanheses enfezados...
Se há alguns "milharais" de anos houve, de fato, a sanguenta Guerra da Polenta, que ceifou "milharais" de vidas pela posse do território hoje pertencente à Terra da Cocanha, o que se deduz da leitura do panfleto e do cruzamento com outros dados é que essa guerra nunca terminou. Não se trata mais do uso da força bruta (leia-se paus de polenta, socadores de pilão e catapultas de polenta quente), mas de outros artifícios mais esmerados, como a publicidade em diferentes suportes.
O panfleto acima (que me custou semanas de repouso e uma boa dúzia de emplastros de arnica com mel) é uma prova da guerra silenciosa dos cocanheses contra outras comunidades que usam a farinha de milho como base para sua alimentação. Metaforicamente falando, o método consiste em jogar vinagre e pregos no guisado dos outros...